Palavras de Deus Pai à Corte Celeste, e a resposta do Filho, e, a Mãe ao Pai, solicitando graças para sua Filha, a Igreja.
Livro 1 - Capítulo 24
Falou o Pai enquanto atendia toda a Corte Celeste e disse: “Ante vós exponho minha queixa porque desposei minha Filha com um homem que a atormenta terrivelmente, atou seus pés a uma estaca de madeira e toda a sua essência se esvai”. O Filho lhe respondeu: “Pai, eu a redimi com meu sangue e a aceitei por Esposa, mas agora ela me foi arrebatada à força”. Então, a Mãe falou: “És meu Deus e Senhor. Meu corpo carregou os membros de teu bendito Filho, que é verdadeiro Filho teu e é verdadeiro Filho meu. Não lhe neguei nada na terra. Por minhas súplicas, tenha misericórdia de tua Filha!”Depois disso, falaram os Anjos dizendo: “Tu és nosso Senhor. Em ti possuímos todo o bem e não necessitamos nada mais que tu. Quando tua esposa saiu de ti, todos nos alegramos, mas agora temos razões para estarmos tristes, porque foi jogada nas mãos do pior dos homens, que a ofende com todo o tipo de insultos e abusos. “Por isso, tende piedade dela por tua grande misericórdia, pois se encontra em uma extrema miséria, e não há ninguém que possa consolá-la nem libertá-la exceto tu, Senhor, Deus todo poderoso”. Então, o Pai respondeu ao Filho dizendo: “Filho, tua angústia é a minha, tua palavra é a minha e tuas obras são as minhas. Tu estás em mim e eu estou em ti, inseparavelmente. Faça-se tua vontade!” Depois, disse à Mãe do Filho: “Por não haver-me negado nada na terra, também não te negarei nada no Céu. Teu desejo deve ser satisfeito”. Aos anjos disse: “Sois meus amigos e a chama de vosso amor arde em meu coração. Por vossas orações, terei misericórdia de minha filha”.
Palavras do Criador à esposa sobre como sua justiça mantém os malvados na existência por uma tríplice razão.
Livro 1 - Capítulo 25
Eu sou o Criador do Céu e da Terra. Perguntavas-te, esposa minha, porque sou tão paciente com os malvados. Isso se deve ao fato de que sou misericordioso. Minha justiça os aguenta e minha misericórdia os mantêm por uma tríplice razão. Em primeiro lugar, minha justiça os aguenta de forma que seu tempo se complete até o final. Poderias perguntar a um rei justo porque tem alguns prisioneiros aos quais não condena à morte e sua resposta seria: ‘Porque ainda não chegou o tempo da assembleia geral da corte na qual possam ser ouvidos e onde, aqueles que os ouvem, podem tomar maior consciência’. De forma parecida, eu tolero os malvados até que chegue seu tempo, de maneira que sua maldade possa ser conhecida por outros também. Já não previ a condenação de Saul muito antes que se desse a conhecer aos homens? O tolerei durante longo tempo para que sua maldade pudesse ser mostrada a outros. A segunda razão é que os malvados fazem alguns bons trabalhos pelos quais hão de ser compensados até o último centavo. Desta forma, nem o mínimo bem que tenham feito por mim ficará sem recompensa e, consequentemente, receberão seu salário na terra. Em terceiro lugar, os aguento para que se manifeste assim a glória e a paciência de Deus. É por isso que tolerei Pilatos, Herodes e Judas, apesar de que iam ser condenados. E se alguém perguntar por que tolero a tal ou qual pessoa que se lembrem de Judas e Pilatos.
Minha misericórdia mantém os malvados também por uma tríplice razão. Primeiro, porque meu amor é enorme e o castigo é eterno e muito grande. Por isso, devido ao meu grande amor, os tolero até o último momento para retardar seu castigo o mais possível na extensa prolongação do tempo. Em segundo lugar, é para permitir que sua natureza seja consumida pelos vícios, pois experimentariam uma morte temporal mais amarga se tivessem uma constituição jovem. A juventude padece uma maior e mais amarga agonia na hora da morte. Em terceiro lugar, pela melhora das boas pessoas e a conversão de alguns dos maus. Quando as pessoas boas e retas são atormentadas pelos perversos, isso beneficia os bons e justos, pois lhes permite resistir ao pecado ou conseguir um maior mérito. Igualmente, os maus, às vezes, tem um efeito positivo nas outras pessoas perversas. Quando esses últimos refletem sobre a queda e maldade dos primeiros, dizem a si mesmos: ‘De que nos serve seguir seus passos?’ E: ‘Se o Senhor é tão paciente, será melhor que nos arrependamos’. Desta forma, às vezes voltam a mim porque temem fazer o que fazem os outros e, além disso, sua consciência lhes diz que não devem fazer esse tipo de coisas. Dizem que, se uma pessoa foi picada por um escorpião, pode-se curá-la quando se a unte com azeite no qual haja outro escorpião morto. De forma parecida, às vezes uma pessoa malvada que vê a outra cair pode ver-se atingida pelo remorso e curada, ao refletir sobre a maldade e vaidade do outro.
Palavras de louvor a Deus pela Corte Celeste; sobre como teriam nascido as crianças se nossos primeiros pais não tivessem pecado; sobre como Deus mostrou seus milagres através de Moisés e, depois, por si mesmo a nós com sua própria vinda; sobre a perversão do matrimônio corporal nestes tempos e sobre as condições do matrimônio espiritual.
Livro 1 - Capítulo 26
A Corte Celeste foi vista diante de Deus, e toda a Corte disse: “Louvado e honrado sejas, Senhor Deus, que és e foste sem fim! Somos teus servidores e te louvamos e honramos por uma tríplice razão. Primeiro, porque nos criaste para nos regozijarmos contigo e nos deste uma luz indescritível na qual nos regozijemos eternamente. Segundo, porque todas as coisas são criadas e mantidas por tua bondade e constância, e todas as coisas permanecem de acordo com tua vontade e se submetem à tua palavra. Terceiro, porque criaste a humanidade e assumiste a natureza humana para o bem dela; esse assumir a natureza humana é a razão da nossa grande alegria, e também por vossa castíssima Mãe que foi digna de vos dar à luz e a quem os Céus não podem conter nem limitar".
Então, vossa honra e benção estão acima de todas as coisas por causa da dignidade dos anjos que exaltaste grandemente em honra. Que vossa inesgotável eternidade e constância estejam sobre todas as coisas que são e podem ser constantes! Possa vosso amor estar sobre toda a humanidade que criastes! “Oh Senhor Deus, somente Vós sejais temido por vosso grande poder, só Vós sejais desejado por vosso grande amor, só Vós sejais amado por vossa constância! Toda honra e gloria sejam dadas a Vós para sempre. Amém!”
Então nosso Senhor respondeu: “Vocês me honram merecidamente por toda criação. Mas, digam-me, por que me louvam pela raça humana que me provocou até à ira, mais do que qualquer outra criatura? Eu a fiz superior e mais dignificada do que todas as criaturas abaixo do Céu, e por nenhuma outra sofri tanta indignidade como pelos humanos e nenhuma foi redimida por tão alto custo. Que criatura não se guia por sua ordem natural, a não ser o homem? Ele me aflige com mais desgosto que qualquer outra criatura. Da mesma forma que eu os criei, para que me louvassem e glorificassem, fiz o homem para que me honrasse. Dei a ele um corpo como templo espiritual e eu fiz e coloquei nele a alma como um belo Anjo, para que a alma humana tenha poder e força como um anjo. Neste templo, Eu, Deus e Criador da raça humana, desejei ser como o terceiro (companheiro) para que ele se alegrasse e se deleitasse em mim. Então Eu lhe fiz, de sua costela, um outro templo semelhante a ele”.
Agora, esposa minha, para quem todas as coisas foram ditas e mostradas, tu podes perguntar como nasceriam filhos deles se não tivessem pecado? Eu respondo-te: ‘Em verdade, pelo amor de Deus e mutua devoção e união da carne dentro da qual ambos seriam internamente inflamados, o sangue do amor teria semeado sua semente no corpo da mulher sem nenhuma luxúria vergonhosa, e assim a mulher ficaria grávida. Uma vez concebida a criança sem pecado e desejo luxurioso, Eu mandaria, de minha divindade, uma alma à criança, e a mulher geraria assim a criança e a daria à luz sem dor. Quando a criança nascesse, ela teria sido perfeita como Adão quando ele foi criado. Mas essa honra foi desprezada pelo homem quando ele obedeceu ao demônio e cobiçou uma maior glória do que eu havia dado a ele. Depois que a desobediência foi realizada, meu Anjo veio a eles e eles se envergonharam de sua nudez, e imediatamente experimentaram a concupiscência e desejo da carne, sofreram fome e sede.
Então, também me perderam, porque quando eles me tinham, não sentiam nenhuma fome, ou desejo carnal pecaminoso ou vergonha, mas somente Eu era todo seu bem e prazer e perfeito deleite. Mas quando o demônio se alegrou por sua perdição e queda, me movi de compaixão por eles e não os abandonei mas lhes mostrei uma tríplice misericórdia. Assim os vesti quando ficaram nus e lhes dei pão a partir da terra. E por causa da luxuria que o demônio excitou neles após a desobediência, Eu dei e criei almas por suas sementes através da minha divindade.
E todo o mal com que o demônio os tentou, transformei inteiramente em bem para eles. Desde então, Eu lhes mostrei como viver e me honrar. E Eu lhes dei permissão para terem relações, porque antes da minha permissão e a manifestação da minha vontade eles ficaram chocados de medo e temerosos de unir-se e ter relações. Eu fui também movido de compaixão e os confortei quando Abel foi morto e estiveram de luto por um longo tempo mantendo abstinência. E quando eles entenderam minha vontade , começaram de novo a ter relações e a ter filhos, de cuja família Eu, seu Criador, prometi que nascessem. Quando a maldade dos filhos de Adão cresceu, Eu mostrei minha justiça ao pecador e a misericórdia a meu eleito; desses Eu me agradei tanto que os preservei da destruição e os criei, porque eles mantiveram meus mandamentos e acreditaram nas minhas promessas.
Quando chegou o tempo da misericórdia, Eu mostrei meus poderosos milagres e obras através de Moisés e salvei meu povo, de acordo com minha promessa. Alimentei-os com o maná e caminhei à frente deles em uma coluna de nuvem e fogo. Eu lhes dei minha Lei e lhes revelei meus segredos e o futuro através de meus profetas. Desde então, Eu, o Criador de todas as coisas, escolhi para mim uma virgem nascida de um pai e uma mãe, e dela, assumi a natureza humana e aceitei nascer dela sem pecado. Do mesmo modo que a primeira criança teria nascido no paraíso através do divino amor e no amor mútuo de seu pai e de sua mãe, e com afeto, sem nenhuma luxúria vergonhosa, minha divindade tomou a natureza humana de uma virgem, sem nenhuma vergonhosa luxuria e sem dano a sua virgindade.
Eu vim na carne como verdadeiro Deus e homem, e cumpri a Lei e todas as escrituras, tal como antes havia sido profetizado sobre mim, e Eu iniciei a Nova Lei, porque a Antiga Lei era estreita e difícil de cumprir e não foi mais que uma figura das coisas futuras que viriam. Na antiga Lei havia sido permitido a um homem ter várias mulheres, de forma que o povo não fosse deixado sem descendência ou tivessem que se casar com os gentios. Mas na minha Nova Lei, é permitido a um homem ter uma mulher, e é proibido a ele, durante seu tempo de vida ter varias mulheres. Aqueles que se unem com amor e temor divinos, para o bem da procriação e para criar filhos para a honra de Deus, são meu templo espiritual onde eu desejo morar como o terceiro com eles.
Mas as pessoas nestes tempos se unem em matrimônio por sete razões. Primeiro, pela beleza facial; segundo, pela riqueza; terceiro, pelo prazer grosseiro e gozo indecente que conseguem no desejo sexual impuro; quarto, pelas festas com amigos e glutonaria descontrolada; quinto, por causa da vaidade no vestir,e comer, na brincadeira, entretenimento e jogos e em outras futilidades; sexto, pelo bem procriar filhos mas não criá-los para a honra de Deus ou boas obras, mas para bens materiais e honra; sétimo, se unem pela luxúria e eles são como bestas grosseiras em seus desejos luxuriosos.
Eles vêm às portas da minha Igreja em comum acordo e, consentimento, mas seus desejos e pensamentos são completamente contra mim. Eles preferem sua própria vontade, que visa agradar o mundo, ao invés da minha vontade. Se todos os seus pensamentos e vontades fossem dirigidos a mim, e eles colocassem sua vontade em minhas mãos e se casassem em meu temor, então eu lhes daria o meu consentimento e seria como o terceiro com eles. Mas, agora meu consentimento, que seria a coisa mais preciosa para eles, não lhes foi dado, porque têm mais luxúria em seu coração do que amor por mim. Desde então, eles sobem ao meu altar onde ouvem que devem ser um só coração e alma, mas meu coração se aparta deles porque não possuem o calor de meu coração e não conhecem o sabor de meu corpo.
Eles buscam o calor e prazer sexual que perecem e amam a carne que será comida pelos vermes . Assim, estas pessoas se unem em matrimônio sem o laço e união de Deus Pai, sem o amor do Filho e sem o consolo do Espírito Santo. Quando o casal vai para a cama, meu Espírito o abandona imediatamente e o espírito de impureza se aproxima em seu lugar porque eles se unem somente pelo prazer e não conversam entre si. Mas, minha misericórdia ainda estará com eles desde que se convertam a mim. Devido ao meu grande amor, Eu coloco uma alma vivente criada por meu poder na semente deles. Às vezes, permito que os maus pais tenham bons filhos, mas é mais frequente que nasçam maus filhos de maus pais, pois estes filhos imitam as más ações e injustiças de seus pais tanto quanto podem e os imitariam ainda mais se minha paciência permitisse. Um casal assim, nunca verá meu rosto, a menos que se arrependa, porque não há pecado tão pesado ou grave que não possa ser limpo pela penitência e o arrependimento.
Por essa razão, desejo voltar ao matrimônio espiritual, o tipo que é apropriado para Deus ter com uma alma casta e corpo puro. Existem sete coisas boas nele em oposição aos males mencionados acima. Primeiro, não há desejo pela beleza da forma ou beleza corporal ou olhares voluptuosos mas somente olhares e amor de Deus. Segundo, não há desejo de possuir nada mais do que é necessário para sobreviver, e somente as necessidades com nada em excesso. Terceiro, eles evitam as conversas vãs e frívolas. Quarto, eles não se preocupam com ver amigos ou parentes, porque Eu sou o seu amor e desejo. Quinto, eles desejam manter a humildade interiormente em suas consciências e exteriormente no modo como se vestem. Sexto, eles nunca têm nenhuma vontade de conduzir-se pela luxúria. Sétimo, eles geram filhos e filhas para seu Deus, por meio de seu bom comportamento e bom exemplo e mediante o uso de palavras espirituais.
Eles preservam sua fé incorrupta quando permanecem fora das portas de minha igreja onde me dão seu consentimento e Eu lhes dou o meu. Eles sobem ao meu altar onde desfrutam do gozo espiritual de meu corpo e sangue, em cujo deleite eles desejam ser um só coração, um só corpo e uma só vontade comigo, e Eu, verdadeiro Deus e homem, todo poderoso no Céu e na terra, serei como o terceiro com eles e preencherei seus corações. Os esposos mundanos começam seu matrimonio em desejos luxuriosos como bestas brutas, e mesmo pior que bestas brutas! Mas esses esposos espirituais começam em amor e temor de Deus e não se preocupam em agradar ninguém a não ser a mim. No casamento mundano o espírito do mal enche e incita ao deleite carnal onde não há nada mais que podridão, mas esses de casamento espiritual são cheios do meu Espírito e inflamados com o fogo do meu amor que nunca lhes faltará.
Eu sou um Deus em três pessoas, e um em divindade com o Pai e o Santo Espírito. Assim como é impossível para o Pai estar separado do Filho e o Espírito Santo estar separado de ambos, e assim como é impossível o calor estar separado do fogo, também é impossível para esses esposos espirituais estarem separados de mim; Eu sou sempre como o terceiro com eles. Meu corpo foi ferido uma vez e morreu em tormentos, mas ele nunca mais será ferido nem morrerá. Da mesma forma, aqueles que são incorporadas em mim com uma verdadeira fé e vontade perfeita, nunca morrerão longe de mim; pois onde quer que fiquem, ou sentem ou caminhem, estarei sempre com eles como seu terceiro.
Palavras da Mãe à esposa sobre três coisas em uma dança; sobre como esta dança simboliza o mundo e sobre o sofrimento da Mãe na morte de Cristo.
Livro 1 - Capítulo 27
A Mãe de Deus falou à esposa: “Filha minha, quero que saibas que onde há dança há três coisas: alegria vazia, vozes confusas e trabalhos sem sentido. Se alguém entra na dança angustiado e triste, então seu amigo que se encontra em pleno desfrute da dança, mas que vê seu amigo entrando triste e melancólico, deixa imediatamente sua diversão, abandona a dança e se compadece de seu amigo angustiado". Esta dança é o mundo, que sempre se encontra tomado por uma ansiedade vazia que lhes parece gozo, mas é uma alegria vazia. Neste mundo há três coisas: alegria vazia, palavreado frívolo e trabalho sem sentido, porque um homem há de deixar para trás tudo aquilo em que trabalhou. Quem, na plenitude desta dança mundana, vai considerar minhas fadigas e angústias e vai se compadecer comigo – que abandone todo gozo mundano – e vá apartar-se do mundo! Quando meu Filho morreu, eu era uma mulher com o coração transpassado por cinco espadas. A primeira foi sua vergonhosa e afrontosa nudez. A segunda espada foi a acusação contra Ele, pois lhe acusaram de traição, de falsidade e de deslealdade. Ele, quem eu sabia que era justo e honesto e que nunca ofendeu nem quis ofender a ninguém. A terceira espada foi sua coroa de espinhos que perfurou sua sagrada cabeça tão selvagemente que o sangue escorreu até sua boca, sua barba e seus ouvidos. A quarta espada foi sua voz mortiça na cruz, com a qual gritou ao Pai dizendo: ‘Pai, porque me abandonaste?’ Era como se dissesse: ‘Pai, ninguém se apieda de mim, somente tu. A quinta lança que cortou meu coração foi sua amaríssima morte.
Seu preciosíssimo sangue se derramava por tantas veias quantas espadas transpassavam meu coração. As veias de suas mãos e pés perfurados e a dor de seus nervos feridos chegavam sem misericórdia até seu coração e de seu coração voltavam aos nervos. Seu coração era forte e vigoroso, por ser dotado de uma boa constituição, isto fazia com que sua vida resistisse lutando contra a morte e que sua amargura se prolongasse ainda mais no ápice da sua dor. À medida que sua morte se aproximava e seu coração se rompia diante de tanta e insuportável dor, de repente todo seu corpo se convulsionou e sua cabeça, que estava para trás, pareceu erguer-se de uma alguma maneira. Abriu levemente seus olhos semi-fechados e por vez abriu sua boca de forma que pude ver sua língua ensanguentada. Seus dedos e braços, que tinham estado muito contraídos, se esticaram. Nada mais houve depois disso e, assim, entregou seu Espírito e sua cabeça caiu sobre seu peito. Suas mãos escorregaram um pouco do lugar das feridas e seus pés tiveram que suportar a maior parte do peso. Então, minhas mãos se ressecaram, meus olhos se turvaram em escuridão e meu rosto ficou pálido como a morte. Meus ouvidos não ouviam nada, meus lábios não podiam articular palavra alguma, meus pés não me sustentavam e meu corpo caiu ao solo. Quando me levantei e vi meu Filho com um aspecto pior que um leproso, lhe entreguei toda minha vontade, sabendo que tudo havia ocorrido segundo sua vontade e que nada disso teria sucedido se Ele não tivesse permitido. Dei-lhe graças por tudo e certo júbilo se misturou com minha tristeza porque vi que Ele, que nunca havia pecado, por seu grandessíssimo amor, quis sofrer tudo pelos pecadores. Que estes que estão no mundo contemplem o que passei quando morreu meu Filho e que sempre o tenham em sua memória!”
Palavras do Senhor à esposa descrevendo como foi julgado um homem ante o tribunal de Deus e sobre a terrível sentença ditada sobre ele por Deus e por todos os Santos.
Livro 1 - Capítulo 28
A esposa viu que Deus estava enojado e que disse: “Eu sou sem princípio e fim. Não há mudança em mim nem de anos nem de dias. Todo o tempo do mundo é como uma só hora ou momento para mim. Todos aqueles que me veem, contemplam e entendem tudo o que existe em mim em um instante. Entretanto, esposa minha, ao estares em um corpo material, não podes perceber nem conhecer como um espírito conhece. Por isso, para teu bem, te explicarei o que sucedeu. Eu estava, por assim dizer, sentado no tribunal para julgar, porque todo juízo me foi dado, e certa pessoa veio a ser julgada ante o tribunal. A voz do Pai ressoou e lhe disse: ‘Mais te valeria não ter nascido’. Não era porque Deus se tivesse arrependido de criá-lo, e sim como qualquer um que sentisse preocupação por outra pessoa e se compadecesse dela. A voz do Filho interveio: ‘Eu derramei meu sangue por ti e aceitei uma duríssima penitência, mas tu te afastaste completamente e isso já não tem nada a ver contigo’. A voz do Espírito disse: ‘Eu busquei por todos os rincões do seu coração para ver se poderia encontrar algo de ternura e caridade, mas és tão frio como o gelo e tão duro como uma pedra. Este homem não me diz respeito.’ Estas três vozes não se ouviram como se fossem três deuses, mas foram ditas audíveis para ti, esposa minha, porque de outra forma não terias podido compreender este mistério.”
As três vozes, do Pai, Filho e Espírito Santo, se transformaram imediatamente em uma só voz que retumbou e disse: “De nenhuma maneira merece o reino dos Céus!” A Mãe da misericórdia permaneceu em silêncio e não moveu sua misericórdia, pois o defendido não era digno dela. Todos os Santos clamaram a uma voz dizendo: “É justiça divina para ele o ser perpetuamente exilado de seu Reino e de seu gozo”. Todos no purgatório disseram: “Não temos uma penitência suficientemente dura para castigar teus pecados. Terás que suportar maiores tormentos e, portanto, tens que ser apartado de nós”. Então, o mesmo defendido exclamou com uma voz horrenda: “Ai, ai da semente que fecundou no ventre de minha mãe e da qual eu me formei!” Por segunda vez exclamou: “Maldita a hora em que minha alma se uniu a meu corpo e maldito aquele que me deu um corpo e uma alma!” Voltou a clamar uma terceira vez: “Maldita a hora em que sai do ventre de minha mãe!” Então chegaram três vozes horríveis do inferno que lhe diziam: “Vem conosco, alma maldita, como o líquido que se derrama até a morte perpétua e vive sem fim!” Por segunda vez, as vozes voltaram a chamá-lo: “Vem, alma maldita, vazia por sua maldade! Nenhum de nós deixará de encher-te com seu próprio mal e dor!” Por terceira vez assim juntaram: “Vem, alma maldita, pesada como uma pedra que se afunda e nunca alcança o fundo onde descansar! Descerás mais baixo que nós e não pararás até que não tenha chegado ao mais profundo do abismo”.
Então, o Senhor disse: “Como um homem com várias esposas, que vê cair uma e se separa dela, se volta para as outras que permanecem firmes e se alegra com elas, assim Eu separei dele meu rosto e minha misericórdia, e me volto para os que me servem e me obedecem e me alegro com eles. Portanto, agora que sabes de sua queda e desgraça, serve-me com maior sinceridade do que ele, em proporção à maior misericórdia que te dispenso! Aparta-te do mundo e de seus desejos! Por acaso eu aceitei tão amarga Paixão pela glória do mundo; ou porque não podia consumá-la em menos tempo e com mais facilidade? Claro que podia! Contudo, a justiça exigia isso. Como a humanidade pecou em todos e cada um de seus membros, tive que fazer cumprir a justiça em todos e cada um dos meus membros. Por isso, Deus, em sua compaixão pela humanidade e em seu ardente amor para com a Virgem, recebeu dela uma natureza humana através da qual pude suportar todo o castigo ao qual estaria fadada a humanidade. Ao haver tomado Eu sobre mim teu castigo, por amor, permanece firme na verdadeira humildade, como os meus servos, assim, não terás nada de que envergonhar-te nem nada que temer mais que a mim! Guarda tuas palavras de tal forma que, se essa fosse minha vontade, tu não falarias. Não te entristeças pelas coisas temporais que tão somente são passageiras. Eu posso fazer, a quem eu quiser, rico ou pobre. Assim, pois, esposa minha, deposita toda tua esperança em mim!”
EXPLICAÇÃO
Esse homem era um cônego de nobre reputação e subdiácono que, havendo obtido uma falsa dispensa, quis casar-se com uma rica donzela. Contudo, foi surpreendido por uma morte repentina e não conseguiu seu objetivo.
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