Capítulo IV: Pegos na tempestade
Quanto mais eles caminhavam, mais as grandes montanhas brancas iam ficando ainda maiores, sinal que eles estavam quase chegando na região gelada de Schneelaand, penúltima região antes do destino final. As árvores de carvalho de médio porte e a grama verde brilhante deram lugar a uma paisagem branca, com neve cobrindo tudo o que a vista toca e enormes pinheiros de madeira escura cercados por grandes rios congelados. Schneelaand era sem dúvidas a região mais fria e impiedosa de todo o reino, o que explica a ausência de vilas e vilarejos na maior parte da região.
Crito e Gwynn caminhavam por dentro da floresta de coníferas, e conforme a noite chegava uma tempestade de neve se formava e a temperatura caia cada vez mais. Crito sentia frio, mas sua pelagem espessa o ajudava a manter calor corporal, ao contrário de Gwynn, uma raposa do deserto acostumada a climas mais quentes.
— Tã... tão f... frio, precisamos encontrar... abrigo — Disse a raposa numa voz sonolenta enquanto tentava se esconder dentro do seu capuz.
— Com você desse jeito não vai dar pra viajar de noite, precisamos achar um lugar pra ficar antes que essa tempestade piore.
A tempestade começou a piorar e a neve impedia com que os dois enxergassem bem, além de fortes ventos que dificultavam ainda mais o caminho. Eles já estavam sem esperança, até que conseguiram ver uma luz, algo que poderia ser uma lamparina, e sem pensar duas vezes eles correram naquela direção. Ao se aproximarem com dificuldade, perceberam que a luz era uma lamparina presa a uma pequena cabana de madeira. Eles sabiam dos riscos de entrar em um lugar desconhecido, mas dadas as circunstâncias eles simplesmente entraram e fecharam a porta, e para a grande surpresa deles a cabana parecia estar abandonada por muito tempo, com as teias de aranha nas paredes e as madeiras soltas no chão não tornando aquela cabana um lugar muito confortável, mas aquele lugar seria o suficiente até o fim da tempestade
Crito deixou suas coisas no chão foi se sentar em uma velha cadeira que estava próxima a porta, mas quando foi olhar para a raposa, percebeu que ela estava extremamente sonolenta e quase desmaiando de frio.
— Muito... frio, preciso... resistir.
Logo depois de dizer essas palavras, Gwynn simplesmente caiu ao lado de uma lareira de pedras e apagou, característica comum das raposas do deserto quando expostas a temperaturas mais frias. O hamster rapidamente vasculhou a sua mochila e por sorte ainda tinha galhos secos guardados da fogueira que ele havia feito perto de Longvillage, jogou esses galhos na lareira e usou a sua Eclipse e uma pedra para acender a chama, e agora eles estariam aquecidos do frio pela noite. Ele ainda ficou algum tempo acordado para verificar se eles realmente estavam seguros naquela velha cabana, mas o sono também alcançou o pequeno hamster e ele se deitou e dormiu perto da lareira.
Pela manhã a tempestade já havia passado, o hamster acorda e percebe que Gwynn ainda estava dormindo, provavelmente ainda sob os efeitos do frio da noite anterior. O hamster então resolve olhar o mapa e planejar uma rota melhor para que eles pudessem sair daquela região impiedosa o quanto antes. A rota mais rápida era contornar as imponentes montanhas brancas presentes na região, seguindo por uma antiga trilha abandonada, porém esse caminho era cheio de perigos como avalanches e criaturas selvagens.
Depois de marcar uma rota, Crito foi verificar os suprimentos que eles ainda tinham, quando ouviu barulhos de árvores sendo derrubadas. Tentou olhar pelas janelas da cabana, mas estavam tão embaçadas com a neve que ele resolveu sair para verificar. Pegou sua espada e foi se espreitando pela neve em direção ao barulho, até encontrar um animal de pescoço longo e corpo coberto por uma espessa camada de lã. O animal cortava lenha com um machado, e empurrava os grandes troncos com um forte coice até eles rolarem para perto de uma grande cabana. O animal não parecia ser uma grande ameaça, então Crito decidiu guardar sua espada e ir conversar com ele.
— Ei! — Grita o hamster para chamar a atenção do animal.
— Oi! Não costumo receber muitos visitantes por aqui! — Responde o animal, em sum sotaque bem único que Crito nunca havia ouvido antes — Eu sou Bernard, é muito bom ver uma cara nova por aqui.
— Eu sou Crito, prazer em conhece-lo.
— Hamsters não são muito comuns em regiões frias como essa. O que o trouxe até aqui parceiro?
— Estava viajando junto com uma raposa, até que uma tempestade de neve nos pegou desprevenidos. Conseguimos nos abrigar em uma cabana abandonada, mas a raposa desmaiou de frio, então ouvi você cortando lenha e resolvi pedir ajuda.
— Minha nossa! A tempestade de ontem foi terrível até para uma alpaca felpuda como eu. Me mostre onde passaram a noite, precisamos ver o estado de sua amiga.
O hamster e a alpaca correram para a cabana abandonada e encontraram a raposa ainda dormindo. Bernard então agarrou o capuz de Gwynn com a boca e a colocou em suas costas.
— Vou levar ela para minha cabana. Lá é bem mais quente e confortável para ela se recuperar. — Disse a alpaca.
Crito pegou a bolsa de Gwynn e eles foram andando até a cabana de Bernard. Quando chegaram, Bernard colocou Gwynn deitada num sofá de frente para uma grande lareira. A cabana da alpaca era grande, aconchegante e muito bem isolada, com uma diferença gritante de temperatura em relação ao lado de fora. Esse calor seria o suficiente para fazer com que o organismo da raposa voltasse ao normal, mas ainda ia demorar algumas horas para que ela acordasse.
— Então hamster, pra que fazer essa viagem toda? Estão em busca de aventuras ou visitando algum parente distante? — Pergunta Bernard.
— Na verdade eu estou indo para a capital imperial em busca de fama e glória. Com todo esse poder, eu terei condições de ajudar as pessoas do vilarejo de onde eu vim.
— É realmente muito nobre da sua parte parceiro, não são muitos que fazem essa jornada toda pra ajudar quem precisa. De qual vilarejo você veio?
— Pomar Dourado, dizem que costumava ser rico em ouro e isso atraiu os investimentos do império, mas depois que tudo foi explorado, a região perdeu importância e nós simplesmente fomos abandonados.
— Parceiro, realmente ouvi umas coisas terríveis sobre o estado atual do vilarejo. O conselho dos Corgis também parece que abandonou a gente aqui em Schneelaand, parece até nem se importa mais com essas regiões. — Reclamava a alpaca enquanto colocava mais lenha na lareira. — E a raposa? Ela também veio de Pomar Dourado?
— Não, ela é de Longvillage, um vilarejo de raposas perto do rio Longvill. Ela decidiu ir até a capital para descobrir o que aconteceu com o seus pais, que foram convocados pelo conselho dos Corgis na época da guerra e nunca mais voltaram para casa.
— Ah, é uma pena o que aconteceu com os pais dela. Muitos filhotes perderam seus pais por causa dessa maldita guerra. Espero que eles estejam vivos e que se reencontrem com ela.
— Também espero...
Depois da conversa Bernard pega dois machados e vai até a porta da cabana.
— Parceiro, posso te pedir um favor? Preciso de madeira para construir um depósito, será que você pode me ajudar?
Crito acena com a cabeça, então Bernard joga o segundo machado para o hamster e os dois vão para a floresta derrubar as árvores. Depois de Crito conseguir derrubar alguns pinheiros, Bernard dá um forte coice nos troncos caídos, forte o suficiente para fazer os troncos rolarem até perto de sua cabana. Tudo correu bem, a alpaca estava satisfeita com a quantidade de troncos que eles haviam conseguido e eles seguiam a estrada de volta para a cabana, mas o hamster pressentiu algo estranho e ordenou para que a alpaca parasse. Crito observou atentamente a vegetação enquanto mexia o seu focinho, os arbustos cobertos de neve chacoalhavam de maneira suspeita, e Crito prontamente sacou sua espada enquanto Bernard preparava o seu machado.
O movimento dos arbustos ficava cada vez mais intenso, criando um clima de tensão. As patas do hamster suavam enquanto ele segurava o cabo da Eclipse. De repente, o vento que chacoalhava ficou muito forte, e três lobos segurando enormes sabres saltaram dos arbustos na direção dos dois. Crito conhecia muito bem a feição daquelas feras, eles eram os capangas de Ditgurat.
— Então nos encontramos novamente hamsterzinho — Disse um dos lobos enquanto apontava para uma cicatriz no próprio rosto — Isso foi um presentinho que você deixou no nosso último encontro, hoje eu vou retribuir o favor.
Logo depois, o lobo investiu contra Crito e os dois começaram um implacável duelo. Os outros dois caminharam lentamente em direção a Bernard e começaram a rodeá-lo segurando os sabres afiados, até que um dos lobos investiu pela frente tentando cortar o pescoço da alpaca e o outro tentou dar um golpe certeiro pelas suas costas. Bernard simplesmente manteve a calma e deu um coice tão forte no lobo que estava atrás dele que este saiu rolando para longe até bater numa árvore e apagar. Para desviar do lobo da frente, ele abaixou o pescoço fazendo com que o lobo errasse o golpe e depois o levantou com toda a força que tinha, atingindo lobo com uma cabeçada certeira que o fez ficar incapacitado para lutar.
Enquanto a alpaca se livrava dos seus atacantes, Crito e o lobo com a cicatriz travavam uma batalha feros. O lobo estava cheio de raiva por ter sido manchado por uma criatura tão pequena e conforme golpeava, seus golpes só ficavam mais e mais poderosos. Bernard foi ao resgate do hamster e tentou atingir o lobo com o cabo do seu machado, mas a fera conseguiu dar um golpe que desestabilizou Crito por alguns segundos e um chute no peito que derrubaria a alpaca. Com o hamster desestabilizado, o lobo bateu em Crito com o cabo da sua espada e o derrubou no chão. Ele pressionou a lâmina do seu sabre contra o pescoço de Crito.
— Diga suas últimas palavras, hamster!
O lobo estava prestes a deslizar a lâmina, mas foi impedido com uma bola de neve na cara.
— Bem aqui feioso! — Gritou Gwynn, enquanto segurava o seu bastão de madeira.
— Argh! Raposa! Você vai se arrepender de ter me atrapalhado!
Gwynn correu o mais rápido que podia na direção do lobo e usou o bastão de madeira como suporte para dar um salto no ar e acertar um chute de duas pernas na fera, que foi empurrada para trás com o impacto. Mas aquele chute não seria o suficiente para parar a fúria do lobo, que recuperou a postura foi para cima da raposa agarrando-a. Ela ainda estava sonolenta pois havia acabado de acordar e não tinha forças para se soltar das garras da fera, que levantou a raposa e a jogou contra o chão. O lobo preparava seu sabre para golpear a raposa, mas foi surpreendido por um golpe de espada pelas costas dado por Crito, seguido de um poderoso coice de Bernard.
O lobo sabia que não poderia vencer os três, então resolveu fugir pelos arbustos brancos.
— Vocês me pagam, ainda vou levar a pele de vocês para o Ditgurat!!! — Gritou ao longe.
Bernard olhou ao redor para ver como estavam os outros lobos, e para a surpresa de todos eles desapareceram do nada.
— Estão todos bem? — Pergunta Gwynn
— Eu estou bem, mas parece que você não está muito bem da cabeça menina! Você ainda não se recuperou por completo, não pode sair por aí fazendo essas acrobacias! — Responde Bernard.
— Eu acordei numa cabana e ouvi barulhos de luta, então resolvi investigas. Além disso, se não fosse a minha ajuda os dois virariam tapete de lobo.
— Nós agradecemos a sua ajuda, mas tenta tomar mais cuidado da próxima vez. — Disse o hamster.
— Certo, certo, está esfriando e já tenho a lenha que preciso, então é melhor a gente voltar pra cabana. — Adverte a alpaca.
— Tem razão, eu tô congelando aqui fora. — Conclui a raposa. — E alpaca, qual o seu nome mesmo?
— Eu sou Bernard, um prazer em conhece-la.
— Eu sou Gwynn, obrigada pela ajuda na noite passada.
— Não há de que parceira, não é sempre que eu hospedo visitantes, e ser gentil e hospitaleiro faz parte da cultura das alpacas. E eu também tô em dívida com vocês por terem se livrado daqueles lobos e salvado minha lã;
Depois de toda essa confusão os três retornam à cabana de Bernard. Uma nova tempestade de neve se aproximava, então Gwynn e Crito resolveram que era melhor passar a noite na cabana e partir dessa região o mais rápido possível quando o sol nascer. Para a janta, a alpaca preparou uma torta de maçã, que era tradicional na cultura dos animais da região, e depois de comerem, Crito e Gwynn dormiram em camas improvisadas de lã perto da lareira e Bernard foi para seu quarto.
Quando o hamster abre os olhos, ele se vê na sala do trono de um grande e luxuoso castelo, e a mesma figura de fumaça em formato de corvo do seu pesadelo anterior aparece maior e mais ameaçadora que antes.
— VOCÊ NÃO PODE EVITAR O INEVITÁVEL. VOCÊ FRACASSARÁ!
Logo depois de dizer essas palavras, as enormes asas começam a encobrir o hamster, e a fumaça negra começa a adentrar as suas vias aéreas, o sufocando pouco a pouco e quando ele estava quase sem ar, seus olhos abrem e ele enxerga o teto da cabana. A alpaca que já estava acordada percebe que Crito está deitado, olhando fixamente para o teto com sua respiração ofegante.
— Ei parceiro, tá tudo bem aí? — Pergunta a alpaca.
— É, eu estou bem, foi só um susto.
A alpaca então voltou para o seu quarto, e o hamster ficou sentado pensando no significado daqueles sonhos. Seria aquilo algum tipo de premonição? Ou simplesmente dois pesadelos muito parecidos em um curto intervalo de tempo? Só o tempo poderia dizer.
Quando todos acordaram, o hamster e a raposa organizaram suas coisas para enfrentarem um último obstáculo naquela região, contornar as grandes montanhas geladas de Schneelaand. Eles se despediram da alpaca Bernard e foram para a porta da cabana, mas antes que pudessem sair Bernard os chamou de volta.
— Esperem, isso é pra vocês.
A alpaca presenteia os dois com duas túnicas de lã, que ajudariam os dois a passarem pelas montanhas, que eram muito mais frias que as florestas de pinheiros.
— Muito obrigada Bernard, essas túnicas novas vão ser de grande ajuda. — Agradeceu a raposa.
— Por nada parceiros, boa sorte nas aventuras de vocês.
Crito e Gwynn vestiram as novas túnicas de lã, e seguiram pela estrada nevada até as montanhas.
Depois de uma longa caminhada, depois de tanto tempo naquela região, eles finalmente estavam na frente das últimas barreiras que impediam a saída deles daquele inferno gelado. Os grandes pinheiros, arbustos e rios congelados ficaram para traz e tudo que havia pela frente era apenas neve, gelo e paredes rochosas. Caminhavam com esforço pela camada de neve grossa, seguindo um antigo caminho abandonado pela beirada da montanha, onde as únicas indicações de onde eles deveriam seguir eram marcadas por velhas placas de madeira.
Num ponto do caminho, o chão formava um enorme penhasco do lado da montanha, e o espaço disponível para passar ia diminuindo cada vez mais. Conforme eles continuavam, precisavam andar cada vez mais colados com a parede rochosa e íngreme da montanha. Tudo corria bem, até que uma poderosa ventania começou a soprar contra a dupla. Os ventos iam ficando mais e mais rápidos, e o pouco espaço que eles tinham para passar fez com que eles fossem perdendo o equilíbrio, até que Crito perdeu o equilíbrio e caiu. O hamster caiu, mas graças aos seus reflexos rápidos Gwynn conseguiu estender sua pata e impedir com que o hamster caísse para a morte certa.
Crito consegue subir de volta para o caminho com a ajuda da raposa.
— Obrigado, te devo essa.
Eles continuaram até que chegaram numa estrutura de madeira que parecia ser um antigo caminho percorrido por monges ao lado da montanha. O caminho era velho e parecia ser frágil, mas eles não tinham escolha a não ser se arriscar e seguir pelas tábuas de madeira. A cada passo que eles davam, um rangido assustador podia ser ouvido, eles precisavam andar com cautela para que tudo não desmoronasse.
E como se a situação dos dois não pudesse piorar, um enorme barulho acompanhado de uma tremedeira vindos de cima da montanha os alertou, e quando olharam para cima perceberam que uma enorme avalanche estava descendo pelas paredes da caverna em direção aos dois.
— Corre!!! — Grita o hamster.
Gwynn e Crito começaram a correr desesperadamente sobre as 4 patas para tentarem fugir de toda aquela neve, e enquanto corriam, a frágil estrutura de madeira começava a desmoronar por onde eles passavam. Quanto mais perto a neve chegava, mais rápido eles corriam, até estarem bem perto do final da trilha, onde o caminho de madeira se conectava com o outro lado do penhasco. Quando estavam quase chegando eles pularam o mais longe que conseguiram e caíram rolando no chão, enquanto a neve terminava de cair agressivamente no penhasco. Eles não só tinham conseguido escapar da avalanche, como tinham também contornado as montanhas e chegado até a fronteira de Schneelaand, estando mais perto do que nunca de chegarem à capital.
Os enormes pinheiros cobertos por neve deram lugar a uma enorme planície de grama avermelhada, cercada por rios e com uma vegetação rasteira, sem a presença de árvores, semelhante a uma tundra. Aquele era com certeza o bioma de transição entre Schneelaand e Bellmagne.
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